Vivemos num tempo onde lutas contra o machismo, o racismo ou outros temas da identidade e da representatividade ganham, por vezes, ares autoritários. Isso não ocorre por uma má-intenção de certos grupos, mas por parte de seus integrantes terem no seu ideal, naturalizado conceitos ultrapassados relacionados ao tema.
Por muito tempo a questão identitária do sujeito esteve atrelada a uma condição de classe, etnia ou sexo. E por ser algo relacionado a questões imutáveis, ou quase sem flexibilidade, a identidade tornava-se algo também fixa.
Na contemporaneidade, o sujeito passa a ter domínio sobre sua própria identidade. Embora os três fatores acima descritos influenciem-no em algum momento da vida, as identidades passam a ser múltiplas e variáveis.
Para quem se interessa por questões acadêmicas, isso está exposto e debatido nas e nos autores pós-estruturalistas como Tomaz Tadeu Silva (2000).
Com base nesse referencial teórico produzimos, ainda na universidade, um vídeo tratando exatamente deste tema e sobre esta fluidez.
O tema da identidade tem ganhado força com o tensionamento das questões dos movimentos sociais como o movimento negro ou feminista. Presos a um ideal ultrapassado, grande parte das e dos integrantes destes movimentos apoiam-se em determinações fenotípicas/biológicas onde todas aquelas pessoas que quiserem transpor suas identidades são acusadas de apropriar-se de uma cultura ou de defender ideias machistas/racistas e, nessa lógica, são silenciadas nas suas escolhas.Ignoram ou fingem ignorar que identidades são construções sociais e, com isso, agridem e oprimem quem, muitas vezes, após muito sofrimento, forjou para si uma nova identidade.
Em outras palavras, reforçam conceitos reacionários que não permitem que as pessoas produzam empatia pelas múltiplas formas, pois se tudo é uma questão biológica, porque eu devo me preocupar com algo que não faço parte?
Copio abaixo a resenha do livro de Tomaz Tadeu SILVA (organizador). Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, 133p.
Vale a pena a leitura do livro.
Identidade e diferença
Vírginia Inácio dos Santos
DADOS BIBLIOGRÁFICOS
O livro “Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, foi escrito por três autores. Dentre estes, uma autora, Kathryn Woodward que escreveu o I capítulo e dois autores, sendo que o II capítulo escrito por Tomaz Tadeu da Silva (o organizador da obra) e o III capítulo por Stuart Hall. A obra Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, além dos três capítulos traz tão-somente algumas notas e as referencias bibliográficas. Um texto simples, mas de grande relevância para os estudos sobre questões de identidade nos nossos dias.
IDENTIDADE E DIFERENÇA: UMA INTRODUÇÃO TEORICA E CONCEITUAL
Kathryn Woodward ao introduzir o seu capítulo, começa por contar uma história que aconteceu na Iugoslávia a quando da guerra entre sérvios e croatas. Onde em meio a um dos embates um estrangeiro indagou a alguns soldados sérvios dizendo “estou tentando entender porque vizinhos começam a se matar uns aos outros. „O que faz vocês pensarem que são diferentes‟? (...) respondeu o homem sérvio: „vocês estrangeiros não entendem nada; (...) Olha a coisa é assim. Aqueles croatas pensam que são melhores que nós. Eles pensam que são europeus finos e tudo mais. Vou lhe dizer uma coisa. Somos todos lixo do Bálcas‟” (p. 7-8).
Com este exemplo a autora diz que “esta história mostra que a identidade é relacional. A identidade sérvia depende, para existir, de algo fora dela: a saber, de outra identidade (croácia), de uma identidade que ela não é, que difere da identidade sérvia, mas que, entretanto, forneça as condições para que ela exista. A identidade sérvia se distingue por aquilo que ela não é. Ser um sérvio é ser um não-croata‟. A identidade é, assim, marcada pela diferença” (p.9).
Esta identidade marcada pela diferença tem símbolos concretos que ajudam a identificar nas relações sociais quem é, por exemplo, mulher e quem não é. Assim a construção da identidade é tanto simbólica quanto social e a luta para afirmar uma ou outra identidade ou as diferenças que os cercam tem causas e conseqüências materiais. Por exemplo, “os homens tendem a posições-de-sujeito para as mulheres tomando a si próprios como ponto de referencia, sendo assim as mulheres são as significantes de uma identidade masculina partilhada. A identidade é marcada pela diferença, mas parece que algumas diferenças – neste caso entre grupos étnicos – são vistas como mais importantes que outras, especialmente em lugares particulares e em momentos particulares” (p.10-11).
Mas para que a discussão em torno do tema seja melhor aprofundada há que se ter em conta alguns preceitos como conceitualizações que ajudem a compreender o funcionamento tanto das identidades quanto das diferenças e se estas são fixas e imutáveis. A análise de questões sociais e materiais, sociais e simbólicas, sistemas classificatórios, a obscuridade que pode existir na definição de uma ou outra identidade ou diferença e a discrepância que pode existir dentro delas mesma e se ao se assumir uma identidade automaticamente há de fato uma identificação.
O conceito de identidade é importante para examinar a forma como a identidade se insere no “círculo da cultura” bem como a forma como a identidade e a diferença se relacionam com o discurso sobre a representação (p.16).
Quanto à existência da crise de identidade deve-se a fatores como: a globalização que dá origem a migração dos trabalhadores, sendo a migração um processo característico da desigualdade em termos de desenvolvimento. Neste sentido, o conceito de diáspora ajuda a entender algumas destas identidades sem pátria; a falta de historias; as mudanças sociais e os novos movimentos sociais e políticos.
Portanto a diferença é marcada em relação à identidade através de sistemas classificatórios que fabricam sistemas simbólicos por meio de exclusão. Por isso, tanto as diferenças quanto as identidades são construídas e não dadas e acabadas. Mas apesar deste fator, investimos nas identidades porque elas nos ajudam a termos uma compreensão sobre o nosso eu, a nossa subjetividade que envolve a psique humana.
A PRODUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE E DA DIFERENÇA
Dentro da produção social, a identidade parece ser uma positividade (aquilo que sou) uma característica independente, um fato autônomo. Nessa percepção ela só tem uma referencia a si própria: ela é auto contida e auto-suficiente. Na mesma linha a diferença é aquilo que o outro é. Da mesma forma que a identidade, a diferença é, desta forma, concebida como auto-referenciada (p. 74). Mas ambas as afirmações, só fazem sentido se compreendidas uma em relação à outra. Sendo assim, como a identidade depende da diferença, a diferença depende da identidade. Sendo ambas inseparáveis.
Mas o autor alerta para não nos esquecermos de que tanto a identidade quanto a diferença são criaturas da linguagem e, por isso, criadas cultural e socialmente o que os torna maleáveis e marcadas pela indeterminação e instabilidade por causa do próprio caráter vacilante da linguagem. Mas apesar disso, elas ainda carregam o poder de definir. “Elas não só são definidas como também impostas, elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas. A identidade e diferença estão, pois, em estreita conexão com a relação de poder: o poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes” (p.81).
Contudo, embora a identidade tende a fixação, este processo oscila entre o processo que tende a fixá-la e estabilizá-la e o processo que tende a subvertê-la e desestabilizá-la, tornando-a cada vez mais complicada. Por isso, a identidade e a diferença têm que ser representadas, pois somente a partir da representação estes adquirem sentido: “é também por meio da representação que a identidade e a diferença se ligam ao sistema de poder. Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar identidade. É por isso que a representação ocupa um lugar tão central na teorização contemporânea sobre a identidade e nos movimentos sociais ligados à identidade” (p. 91).
QUEM PRECISA DA IDENTIDADE?
Para a autora existem duas formas de responder esta questão. A primeira consiste em observar a existência de algo que distingue a crítica desconstrutiva à qual muitos destes conceitos essencialistas têm sido submetidos. Diferentemente daquelas formas de críticas que objetivam superar conceitos inadequados, substituindo-os por conceitos "mais verdadeiros‟ ou que aspiram a produção de um conhecimento positivo, a perspectiva desconstrutiva coloca certos conceitos-chaves "sob rasura‟. A segunda maneira de responder exige que observemos onde e em relação a qual conjunto de problemas emergem a irredutibilidade do conceito de identidade. A resposta, neste caso, está em sua centralidade para a questão da agência e da política (p. 103-104).
Resumindo e concluindo consideramos importante a leitura desta obra pelo fato dela trazer de forma simples e densa a discussão em torno da identidade e da diferença, temas tão atuais e importantes em nossos contextos. Os autores trazem um conteúdo denso e profundo, porém a leitura é agradável, pois não são fastidiosos em suas colocações.
Não podemos deixar de considerar que sentimos falta de uma conclusão que pudesse nos pontuar antes o que de concreto a obra aborda assim como as motivações dos autores e da autora que os levou a problematizarem um tema tão complexo, embora necessário e atual. Outro sim, sentimos ainda a ausência de uma conclusão que teria o objetivo de unir os capítulos, fazendo um fechamento dos temas abordados, para não nos dar a impressão de uma revista, não temática, onde os temas abordados são independentes uns dos outros.
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