terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Aqui esta-se sossegado

Aqui está-se sossegado,
Longe do mundo e da vida,
Cheio de nao ter passado,
Até o futuro se olvida,
Aqui está-se sossegado.

Tinha os gestos inocentes,
Seus olhos riam no fundo.
Mas invisíveis serpentes
Faziam-a ser o mundo.
Tinha gestos inocentes.

Aqui tudo é paz e mar.
Que longe a vista se perde
Na solidao a tornar
Em sombra o azul que é verde!
Aqui tudo é paz e mar.

Sim, poderia ter sido...
Mas vontade nem razao
O mundo tem conduzido
A prazer ou conclusao.
Sim, poderia ter sido...

Agora nao esqueco o sonho.
Fecho os olhos, oico o mar
E de ouvi-lo bem, suponho
Que veio azul a esverdear.
Agora nao esqueco e sonho.

Nao foi proposito, nao.
Os seus gestos inocentes
Tocavam no coracao
Como invisíveis serpentes.
Nao foi proposito, nao.

Durmo, desperto e sozinho.
Que tem sido a minha vida?
Velas de inútil moinho -
Um movimento sem lida...
Durmo, desperto e sozinho.

Nada explica nem consola.
Tudo está certo depois.
Mas a dr que nos desola,
A mágoa de um nao ser dois
Nada explica nem consola.

(Fernando Pessoa)

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