domingo, 25 de setembro de 2011

Aí sim, uma novela.

Impossível não escrever nada depois de ver o final da novela Cordel Encantado.
Raras vezes eu vi uma produção tão bem acabada, inteligente e ousada como essa, na televisão brasileira.
É "chover no molhado" dizer da qualidade visual, dos figurinos impecáveis e cenários idem.
Então, pra não dizer o que todo mundo já disse vou tratar de dois assuntos importantes do meu ponto de vista.


1. Direitos Humanos
2. Referências culturais/históricas




A relação com os direitos humanos nessa novela foi pouco salientada por críticos e fãs, mas ela veio de uma maneira muito forte e presente para, de alguma maneira, mexer com o ideário de muita gente. No conflito tipo folhetinesco onde ora o vilão se dá bem, ora mal, chamou-me a atenção os momentos onde o vilão mor, Timóteo Cabral (Tiago Gagliasso) era capturado pelos mocinhos. 


Depois de tantas maldades, crimes e atitudes  pouco louváveis do vilão, cada vez que ele era capturado eu, como provavelmente a maioria da população que viu a telenovela, queria vê-lo sofrendo, quiçá sendo executado. No entanto, com exceção dos cangaceiros, cuja lei e a ordem é louvavelmente baseada na violência a quem é violento, nada acontecia com ele, pois a nobreza (aqui numa liberdade poética, pois os nobres na história sempre foram os mais sanguinários) e o povo de Brogodó intercediam a favor do vilão, pois como ser-humano deveria, ainda que prisioneiro, ser tratado com dignidade.


Em outro momento, quando estava para morrer, sua irmã, que outrora sofreu muito com os seus atos, quer saber como ele está, sente-se apiedada e, quando este morre, chora a perda de um irmão. 


Ainda que todos estes atos de caridade estivessem calcados, reforçados e explícitos na doutrina cristã destes personagens, é louvável que as autoras Duca Rachid e Thelma Guedes tenham provocado os telespectadores em tempos onde, pelo menos no Brasil, o "olho por olho, dente por dente" esteja cada vez mais em voga.


Claro que, melhor ainda, seria se o vilão, tocado por estes atos, sofresse paulatina transformação causada pela insistência das pessoas em transformá-lo, mas aí deixaria de ser novela, onde o vilão tem que durar até o final.


Já com relação às referências, para mim, a grande sacada desta novela foi aproveitar-se do que de bom já se produziu na história da humanidade. A literatura de cordel, o tropicalismo que elas mesmo citam na última cena, mas também as histórias de cavalaria que compõem a cultura nordestina tradicional, a história de Antonio Conselheiro na figura do beato Miguezinho (Matheus Nachtergaele), a humanização e heroização do cangaço, sempre visto nas escolas como bandidos sanguinários quando, na verdade, era uma reação a exploração e violência coronelista do sertão e, por fim, a linda referência ao clássico Romeu e Julieta, de Shakespeare, quando Aurora/Açucena (Bianca Bin) toma o veneno que a despertará horas depois e Jesuíno (Cauã Reymond) a encontra "morta", se desespera, arma-se o funeral (lindamente, aliás) e, sozinho na "cripta" resolve despedir-se de sua julieta com um beijo, no exato momento em que ela desperta.


Com tantas qualidades, Cordel Encantado é daquelas coisas que daqui a 15, 20 anos as pessoas vão falar: "lembra daquela novela...."


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