De vez em quando escrevo aqui textos que, creio, podem provocar a reflexão de educadores e arte/educadores (clique aqui para ver o que já publiquei).
Hoje escrevo sobre um tema muito presente na minha experiência de arte-educador e que gerou um desejo de me especializar na temática como vertente de trabalho: a homofobia e os direitos sociais.
A fase da pré-adolescência e adolescência é o momento mais fácil de se detectar a orientação sexual dos
educandos. E em algumas crianças, os sinais são gritantes.
É incrível como em quase todos os ambientes, rico ou pobre, formal ou informal, os educadores e cordenadores não sabem como lidar com essa informação, muitas vezes reproduzindo discursos preconceituosos e reafirmando atitudes homofóbicas dos demais colegas de turma da criança.
Sendo assim, para começar a tratar desse tema no blog reproduzo um trecho do TCC de Marcelo Ricardo Prata, do curso de Serviço Social da PUC-RJ que chama:
Serviço Social e Homossexualidade.
1.3 – A homofobia na escola
A escola, depois da família, é o segundo grupo social mais importante para os indivíduos, já que é neste complexo grupo que o sujeito aprimora seus
conhecimentos trazidos de casa e passa a conhecer outros universos. Em setratando de civilização brasileira, avançamos muito pouco com relação às idéias
sobre o corpo, a alma e a sexualidade inculcadas no século XVI. A situação é ainda mais acentuada quando fazemos referência às questões de ordem sexual
no âmbito da educação escolar. Este tema é, em geral, visto com olhar “enviesado”, estreito, apesar da sociedade democrática ter escolhido a partir do
século XVIII, as instituições de ensino, em todos os níveis, para acolher as
grandes questões que inquietam o meio social. A homossexualidade é tema que educadores, sejam diretores, coordenadores ou professores, com ou sem pósgraduação,
fazem questão de silenciar, causando assim, a exclusão de vários meninos e meninas do núcleo escolar. Para melhor entendermos o conceito de exclusão, recorro a Sposatti, que nos mostra que:
“Exclusão social é a impossibilidade de
poder partilhar da sociedade e leva a
vivência da privação, da recusa, do
abandono e da expulsão, inclusive com
violência de uma parcela significativa da
população, por isso, a exclusão social
não é só pessoal, não se trata de um
processo individual, embora atinja
pessoas, mas de uma lógica que está
presente nas varias formas econômicas,
sociais, culturais e políticas da sociedade
brasileira. Esta situação de privação
coletiva é que está se entendendo por
exclusão social”.
(SPOSATTI, Adaiza. Mapa da Exclusão/inclusão
social na cidade de São Paulo. EDUC,
São Paulo, 1996, p. 05.)
Não seria oportuno, no âmbito da educação escolar, uma reflexão sobre o assunto? Poderíamos continuar indiferentes à problemática da sexualidade.
Diriam, assim, alguns educadores: “Se não sou homossexual, o que tenho a ver com os que o são?”. Exatamente, por se ter nossa orientação sexual resolvida, devemos ter uma preocupação com aqueles que, sendo crianças ou
adolescentes, estão se definindo sexualmente para a vida?
Ao fazer referência às escolas públicas, a questão da homossexualidade sofre com um preconceito muito acentuado. Nas escolas privadas, pouco se discute,
pouco se fala, pouco se reflete, gerando, não poucas vezes, comportamentos sutilmente agressivos de professores com relação aos alunos homossexuais, sejam meninos ou meninas. Nestas escolas privadas, aceita-se o matriculado,
mas não se tolera o educando com tendência homossexual. A diferença entre escola pública e privada, nesse particular, é que, naquela, não há o princípio de tolerância.
É na escola que meninos e meninas aprendem ou apreendem o convívio social com o resto da sociedade, já que a educação escolar não pode ser vista como o único meio de aprendizado, mas a continuação e aprimoramento dos saberes passados pelo convívio familiar, principalmente quando se pensa em educação e relação com o corpo. Para completar esta afirmação é preciso definir e
conceituar Educação, segundo Brandão:
“Não há uma forma única, nem um
modelo único de Educação a escola não
é o único lugar onde ela acontece e,
talvez nem seja o melhor, o ensino
escolar, não é essa a sua única pratica e
o professor profissional não é o seu
único praticante”.
(BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação?
26ª edição, Editora Brasiliense, Coleção
Primeiros Passos, São
Paulo, 1991. p.09.)
Paulo, 1991. p.09.)
As últimas pesquisas sobre sexualidade na escola revelam dados preocupantes, dignos de serem urgente e amplamente debatidos. Dados estes que precisam ser reconstruídos na direção da transformação da sociedade, combatendo (e
não reproduzindo) as diversas formas de exclusão. Uma direção em que o eixo é a promoção da cidadania: o respeito às diferenças, à convivência democrática com a diversidade, rumo à inclusão e a uma maior justiça social. Apresento a
seguir, o perfil dos professores brasileiros, de escolas públicas e privadas, nas 27 Unidades da União, segundo pesquisa feita pela UNESCO (Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em parceria com o Ministério a Educação:
81% declararam ser mulheres
18,5% declararam ser homens
59,7% declararam ser inadmissível que uma pessoa possa ter
experiências homossexuais
21% declararam não desejar ter como vizinhos homossexuais
(UNESCO. IN: Folha de PE, 25/02/2004.)
O referido índice de intolerância surpreende e preocupa, considerando dentre outras questões, o “poder” de influência dos professores, que nos jovens chega a ser maior que a dos próprios pais.
Outra pesquisa intitulada “Juventudes e Sexualidade” realizada pela Unesco no ano de 2000, em 14 capitais (dentre estas, Recife), com 16.422 alunos, 3.099
educadores e 4.532 pais e mães de alunos(as) de 241 escolas, revelam que:
27% dos alunos declararam que não gostariam de ter homossexuais
como colegas de classe.
35% dos pais(os homens mais preconceituosos: chegando a 60% em
Recife) e mães de alunos declararam que não gostariam que seus filhos
tivessem homossexuais como colegas de classe.
15% dos alunos declararam que consideram a homossexualidade doença
(UNESCO. IN: Folha de PE, 25/02/2004.)
como colegas de classe.
35% dos pais(os homens mais preconceituosos: chegando a 60% em
Recife) e mães de alunos declararam que não gostariam que seus filhos
tivessem homossexuais como colegas de classe.
15% dos alunos declararam que consideram a homossexualidade doença
(UNESCO. IN: Folha de PE, 25/02/2004.)
Estes últimos dados indicam, que mesmo aparentemente liberais, os jovens dessa geração também têm seus traços de intolerância. Neste tocante presenciamos no cotidiano escolar alunos humilhando outros só porque são
A homofobia, aversão a pessoas que têm atração sexual por pessoas do mesmo sexo, tem sido enfrentada pelo Governo Federal através do
Programa Brasil sem homofobia , lançado em maio de 2004, que possui uma variedade de
ações para promover o respeito à diversidade sexual, como por exemplo, o direito à Educação, que visa promover valores de respeito à paz e a não
discriminação por orientação sexual.
No âmbito da educação escolar, precisamos acirrar as reflexões e ações, pois não podemos continuar tratando com “invisibilidade” a sexualidade que está presente na escola com toda a sua complexidade e diversidade, pois ainda nos
defrontamos com posturas machistas, sexistas, preconceituosas e indiferentes no cotidiano escolar, tais como: “se não sou homossexual, o que tenho a ver
com os que são?”; uma travesti que prefere usar seu nome feminino, em vez do de batismo, e o professor insiste em chamá-la pelo nome de batismo. E onde fica o respeito em não tratá-la como ela prefere (como se reconhece).? E a
professora que não aceita o aluno de brinco na escola? E a professora que solicita nas entrelinhas das inquietações apontadas nas capacitações sobre sexualidade, “receitas” para corrigir as “tendências homossexuais dos(as)
alunos(as)?
Ainda com a idéia de que a orientação sexual é uma opção, de que é aprendido,
de que você pode educar uma pessoa para ser heterossexual ou homossexual.
Para além da situação extrema do assassinato, muitas outras formas de
violência vêm sendo apontadas, envolvendo familiares, vizinhos, colegas de
trabalho ou de instituições públicas como a escola, as forças armadas, a justiça
ou a polícia, os números da violência são alarmantes, conforme nos mostra
Mott:
“A violência letal contra
homossexuais - e mais especialmente
contra travestis e transgêneros - é, sem
dúvida, uma das faces mais trágicas da
discriminação por orientação sexual ou
homofobia no Brasil. Tal violência tem
sido denunciada com bastante
veemência pelo Movimento GLTB, por
pesquisadores de diferentes
universidades brasileiras e pelas
organizações da sociedade civil, que têm
procurado produzir dados de qualidade
sobre essa situação. Com base em uma
série de levantamentos feitos a partir de
notícias sobre a violência contra
homossexuais publicadas em jornais
brasileiros, os dados divulgados pelo
movimento homossexual são alarmantes,
revelando que nos últimos anos centenas
de gays, travestis e lésbicas foram
assassinados no País. Muitos deles,
como Édson Néris, morreram
exclusivamente pelo fato de ousarem
homossexuais - e mais especialmente
contra travestis e transgêneros - é, sem
dúvida, uma das faces mais trágicas da
discriminação por orientação sexual ou
homofobia no Brasil. Tal violência tem
sido denunciada com bastante
veemência pelo Movimento GLTB, por
pesquisadores de diferentes
universidades brasileiras e pelas
organizações da sociedade civil, que têm
procurado produzir dados de qualidade
sobre essa situação. Com base em uma
série de levantamentos feitos a partir de
notícias sobre a violência contra
homossexuais publicadas em jornais
brasileiros, os dados divulgados pelo
movimento homossexual são alarmantes,
revelando que nos últimos anos centenas
de gays, travestis e lésbicas foram
assassinados no País. Muitos deles,
como Édson Néris, morreram
exclusivamente pelo fato de ousarem
manifestar publicamente sua orientação
sexual e afetiva”.
( MOTT, Luiz. Os homossexuais.
As vítimas principais da violência.
IN: G.Velho, Alvito(orgs.). cidadania e
violência. Editora UFRJ/Editora
2FGV, 1996. p. 50.)
Muitas vezes os professores não apenas silenciam, mas colaboram ativamente na reprodução de tal violência, já que muitos não gostariam de ter alunos homossexuais, mas alguns consideram que as brincadeiras não são manifestações de agressão, naturalizando e banalizando expressões de preconceito e, esquecendo-se da violência simbólica imbutida no discurso. Não podemos falar em violência escolar, sem definirmos em algum momento o que é e, que representa a violência, como nos mostra Costa:
“Violência é o emprego desejado da
agressividade com fins destrutivos.
Agressões físicas , brigas, conflitos
podem ser expressões de agressividade
humana, mas não necessariamente
expressões de violência, a ação é
traduzida como violência pela vítima,
pelo agente ou pelo observador. A
violência ocorre quando há o desejo ou
intenção de destruição”
agressividade com fins destrutivos.
Agressões físicas , brigas, conflitos
podem ser expressões de agressividade
humana, mas não necessariamente
expressões de violência, a ação é
traduzida como violência pela vítima,
pelo agente ou pelo observador. A
violência ocorre quando há o desejo ou
intenção de destruição”
(COSTA, Jurandir Freire. IN: FUKUI, L.
Segurança nas escolas. IN: Zaluar, Alba
(org.). Violência e educação.
Editora Cortez, São Paulo, 1992, p. 103.)
A violência no âmbito escolar não pode ser reduzida apenas ao plano físico. Neste ambiente plural as agressões vão desde um apelido “inocente” até chegar às agressões físicas de fato.
A idéia da a violência física associada com a criminalidade faz com que a violência simbólica passe despercebida pelos
bancos escolares. Também não podemos deixar de mencionar, que a violência ocorrida no espaço escolar vem de fora dele, por causa das questões sociais, já que em muitos casos, algumas crianças que passaram ou que ali estão sofrem ou sofreram por violência anterior a escolar. Nunam define três tipos de violência doméstica que acabam se repetindo no espaço escolar:
“Agressão física pode ser caracterizada
por qualquer comportamento, que utilize
força física, cuja conseqüência são
danos corporais ou destruição de
propriedade; a violência psicológica
tende a se manifestar através de
intimidação, humilhação, ameaças,
agressões verbais, isolamento social e
dependência financeira forçada e a
agressão sexual está relacionada a atos
sexuais não-consensuais ou que visam
humilhar o parceiro com relação a seu
corpo, desempenho sexual ou
sexualidade”.
(Nunan, Adriana. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ENTRE CASAIS HOMOSSEXUAIS: O
SEGUNDO ARMÁRIO? 2003. Rio de Janeiro.)
Curriculares Nacionais estabelecerem que:
“Se a escola que se deseja deve ter uma
visão integrada das experiências vividas
pelos alunos, buscando desenvolver o
prazer pelo conhecimento, é necessário
que ela reconheça que desempenha um
papel importante na educação para uma
sexualidade ligada à vida, à saúde, ao
prazer e ao bem-estar, que integra as
diversas dimensões do ser humano
envolvidas nesse aspecto”
(BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade
cultural, orientação
sexual. Brasília, MEC, SEF, 1997. p. 80.)
O ambiente escolar é responsável pelo grande número de jovens agredidos por causa de sua orientação sexual, já que as crianças não têm em suas famílias acesso ao diferente, ao plural e, ao entrarem para a escola excluem de seus
meios tudo aquilo que não lhes parece normal em âmbito familiar. Não raro encontramos um menino ou uma menina sendo “massacrados” por piadinhas e apelidos maldosos, simplesmente por não estarem cumprindo seus papéis
sociais: menino joga bola e, menina brinca de boneca. O que não corresponde a esta realidade está fora da normalidade e é errado. Esta intolerância se mostra mais agressiva e mais visível, quando o adolescente homossexual começa a
demonstrar sinais claros de se tornar um possível travesti ou transgênero na idade adulta como nos mostra Mott, acerca da homossexualidade adolescente:
‘’Geralmente, quando ainda estão
cursando o ensino fundamental, por volta
dos 13 ou 14 anos, as jovens travestis
começam os processos de hormonização,
depois vem a siliconização e o
preconceito. A família, principalmente no
Nordeste, não aceita e o garoto é expulso
de casa. O único meio de vida é a
prostituição. Costumo comparar a
travesti a uma ilha, só que ao invés de
estar cercada de água por todos os lados
está cercada pela violência”
cursando o ensino fundamental, por volta
dos 13 ou 14 anos, as jovens travestis
começam os processos de hormonização,
depois vem a siliconização e o
preconceito. A família, principalmente no
Nordeste, não aceita e o garoto é expulso
de casa. O único meio de vida é a
prostituição. Costumo comparar a
travesti a uma ilha, só que ao invés de
estar cercada de água por todos os lados
está cercada pela violência”
A homossexualidade dentro da escola é tratada do mesmo modo como é tratada fora dela, ou seja, a partir dos papéis sociais/sexuais impostos pela sociedade a homens e mulheres na vida cotidiana. As relações de poder também estão presentes no imaginário popular no que diz respeito à sexualidade humana, já que o poder está relacionado à masculinidade, enquanto ao feminino cabe a delicadeza e a sensibilidade. Neste ambiente, podemos observar que as
relações sexuais também passam pelo crivo social dos papéis sexuais/sociais.
A idéia de que o homossexual ativo é aquele que domina a relação e, o passivo é o que se deixa dominar (o que exerce no caso dos homens o papel da mulher) ocorre em inúmeras sociedades. Neste Brasil que chamamos – ou pelo menos
achamos ser – livre de preconceitos não seria diferente: a regra social é quem dita o que homens e mulheres devem cumprir para que sejam aceitos por ela,
imprimindo sua marca machista nos sujeitos, conforme nos mostra Fry:
‘O menino é chamado de bicha, não
simplesmente porque se supõe que ele
goste de manter relações homossexuais,
mas porque ele é “efeminado
simplesmente porque se supõe que ele
goste de manter relações homossexuais,
mas porque ele é “efeminado
(desempenha o papel feminino) e porque
se mantiver um relação homossexual
desempenhará um papel femininamente
passivo. O rapaz que desempenha o
papel masculino e que poderia ser o
parceiro sexual da bicha(por tanto
mantendo uma relação homossexual), é
chamado de homem ou de machão.”
se mantiver um relação homossexual
desempenhará um papel femininamente
passivo. O rapaz que desempenha o
papel masculino e que poderia ser o
parceiro sexual da bicha(por tanto
mantendo uma relação homossexual), é
chamado de homem ou de machão.”
Por isso, é importantíssimo ao se falar de homossexualidade, falarmos dos papéis sociais aos quais homens e mulheres são submetidos em nossa sociedade. Ao homem, cabe a virilidade e o sustento da casa e, às mulheres a delicadeza e o cuidado com a casa - mantendo-a sempre limpa e organizada,
bem como a educação dos filhos. No âmbito escolar, o aluno “passivo” sempre é punido e o “ativo” permanece sempre como o machão, já que a passividade é um traço extremamente feminino. Esta movimentação é o que denominamos a divisão sexual da sociedade. A escola deve cumprir seu papel como educador, porém as culturas, as religiões e os gêneros devem ser respeitados e discutidosem grupo. Ela precisa pregar a tolerância e não a intolerância, como podemos observar com este presente trabalho. Professores e profissionais da área devem
abrir seus olhos, livrando-os da cortina imposta pela sociedade burguesa moralista e trabalharem a favor da ética e do respeito ao próximo, sem distinções.
É neste contexto contraditório de papéis sociais/sexuais que aparece a violência contra homossexuais, já que para sociedade, o correto, o certo, o normal é que um homem aja socialmente – refiro-me a atitudes - como o homem ditado por ela e se relacione sexualmente com uma mulher e vice-versa, o contrário está caracterizado como anormal, errado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário