terça-feira, 27 de novembro de 2012

TERRA DE ARTISTAS

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Um roteiro turístico e cultural pelas belas paisagens naturais e arquitetônicas da Bretanha, uma região que conserva até hoje antigas tradições e que inspirou uma centena de pintores a produzirem obras que contribuíram para a história da arte mundial
Rose Campos

Existem várias razões para que tantos artistas de toda a Europa e da América tenham sido atraídos pela Bretanha ao longo dos séculos, preenchendo incontáveis telas em resposta ao encantamento das paisagens. É uma terra de belezas naturais e arquitetônicas com praias de areias brancas, campos verdes que terminam em penhascos e sítios pré-históricos. Na parte mais selvagem da ilha denominada
Belle-Île-en-Mer, o pintor parisiense Claude Monet (1840-1926) resolveu montar seu cavalete durante uma longa visita à região, em 1886. A paisagem, formada por grandes rochas banhadas por um mar bravio, serviu de fonte de inspiração e, ao longo de dez semanas, o artista produziu cerca de 40 telas retratando aquele mesmo cenário. Ao ar livre, como costumava fazer, buscou capturar as intensas e infinitas variações de luz e de cor.Influenciado pela pintura japonesa, que havia se tornando uma referência importante na época, Monet repetiu numerosas vezes a paisagem proporcionada pela costa rochosa, todas isentas da presença humana. O exercício foi tão impactante que significou a busca por uma nova linguagem artística e um ponto de virada em sua obra. Tinha início aí sua sistemática de observar e reproduzir a metamorfose de um motivo em diferentes momentos do dia e do ano. "O mar é incrivelmente belo e repleto de rochedos fantásticos... Estou fascinado por este empurrão violento que me obriga a ultrapassar aquilo que eu costumava fazer", comentou na época.

Monet não foi o único a buscar inspiração naquela região, ao noroeste da França. A magia do solo bretão imprimiu a mais de uma centena de artistas - mesmo quando em estadias ocasionais - algo importante: foi graças a essa junção única entre céu, mar, arquitetura, história, pessoas e lendas que muitos, entre 1780 e 1920, percorreram novos caminhos. "Na utilização da cor, na sintetização das formas e na luminosidade que alcançaram, eles conseguiram com suas telas realizar incontestáveis contribuições para a história da arte", afirma a historiadora e curadora Stella Teixeira de Barros, professora de Estética e História da Arte na Faculdade de Artes Santa Marcelina, em São Paulo. Segundo ela, esse grande número de pintores se sentiu atraído especialmente pela paisagem selvagem e pela cultura arcaica local, muito diferente da encontrada nas grandes cidades, como Paris.
A Bretanha compreende uma larga faixa litorânea, que se estende do Canal da Mancha ao Oceano Atlântico e tem como capital a cidade de Rennes. Caracterizada como uma região de fortes e antigas tradições, foi colonizada por migrantes vindos da Grã-Bretanha (os bretões), que passaram a cruzar o mar com o intuito de se livrarem do domínio romano estabelecido nos séculos 5º e 6º. Os bretões viveram com independência naquela porção da França até o ano de 1532. Assim, foi possível manter fortes as crenças e os costumes celtas, dos antigos habitantes da França. Até mesmo as construções seguiam um estilo próprio, sendo erguidas em bases de pedras.Muitas localidades guardam até hoje certa aura mística, que continua produzindo encantamento nos turistas. Um desses locais é o Pays de Brocéliande, uma grande área de floresta na qual muitos acreditam terem vivido o mítico Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda. Era esse mesmo lugar de natureza primitiva o ambiente procurado por artistas, especialmente durante as últimas duas décadas do século 19, que buscavam uma forma de reproduzir nas artes plásticas a proposta simbolista, cercada do mesmo mistério e da simplicidade que poetas como Mallarmé e Rimbaud tinham transposto para a literatura.Entre os pintores que se destacaram durante esse período está Paul Gauguin (1848-1903). Suas ideias eram compartilhadas com outros artistas, com quem costumava se corresponder, como Paul Cézanne (1839-1906), Vincent Van Gogh (1853-1890), Émile Bernard (1868-1941) e Paul Sérusier (1863-1927). A passagem de Gauguin pela cidade bretã de Pont-Aven, em 1888, foi bastante representativa. Em um evento religioso anual conhecido como Fête du Pardon (Festa do Perdão), onde fiéis em procissão pediam perdão por suas faltas e clamavam por proteção divina, Émile Bernard pintou a tela Bretãs numa Pradaria (cujo título mais tarde ele mudou para Pardon em Pont-Aven). A obra resultou em um ousado estudo de estilo, rompendo com o código estético utilizado até então.

Gauguin, sentindo-se desafiado pelo discípulo, passou a produzir pinturas ainda mais arrojadas, entre elas A Visão após o Sermão, a Luta de Jacó com o Anjo, no qual um grupo de mulheres bretãs observa, no campo, um homem lutando contra um anjo. "Com cores vibrantes, esta tela sintetiza o mundo ´real´ e o mítico, separados pelo tronco de uma árvore, inspirada em gravuras japonesas, muito em voga naquele momento", descreve Stella. Significativa em sua trajetória, a obra é uma importante referência para o modernismo. Não por acaso, o pintor se tornou o maior representante do movimento que ficou conhecido como Escola de Pont-Aven. Além dele, outros artistas como Sérusier, Charles Filiger e Meyer de Haan se estabeleceram na cidade, atraídos principalmente pelas belezas locais.

De acordo com a historiadora, o fascínio que as paisagens da Bretanha exerceu sobre várias gerações de artistas (inclusive poetas e músicos) começou, de modo esporádico, no fim do século 18, intensificando-se nas duas últimas décadas do século 19 e início do século 20. "Terra distante e misteriosa, encoberta por mitos e sonhos, era povoada por pessoas apegadas a seus costumes e tradições. Os bretões eram monarquistas, muito religiosos e falavam dialetos literalmente diferentes do francês cosmopolita", descreve. Sedutora e distante, a região atraía muitos pintores porque oferecia um cenário ainda selvagem e uma costa rochosa banhada por um mar quase sempre revolto. "Ainda que de forma intermitente, por vezes em grupos, outras vezes solitários, esses artistas se mostravam ansiosos na busca por novas formas de expressão, que ali procuravam encontrar", explica.
Em Pont-Aven, na região de Finisterra (do latim Finisterrae, que significa exatamente fim da terra, ou fim do mundo), uma colônia de pintores se formou entre 1886 e 1896. Dela fizeram parte não apenas representantes franceses, mas também de outras nacionalidades. Na verdade, a Escola de Pont-Aven acabou reunindo pessoas com estilos muito diferentes entre si. O ponto em comum era o interesse em retratar as paisagens locais e os moradores daquela pequena vila bretã e de seu entorno. Entre os Nabis (que em hebraico quer dizer profetas) estavam Paul Gauguin, Émile Bernard, Pierre Bonnard, Edouard Vouillarde Paul Sérusier, Maxime Maufra, Henry Moret e Ernest Chamaillard.Outras localidades da Bretanha também suscitaram a formação de pequenas colônias artísticas, como Douarnenez, Brest, Rennes, Saint-Malo, Dinan, Fougères, Vitré (foi desse vilarejo interiorano próximo a Rennes que Madame de Sevigné, ainda no século 17, escrevera suas famosas cartas), Vannes, Auray e Quimper, onde hoje há um pequeno e bem cuidado museu.
Em Quimper, antiga capital da Cornualha, sobressaem-se as muralhas construídas ainda no século 13, assim como a Catedral Saint Corentin. Eugene Boudin (1824-1898) - de quem o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, possui uma dezena de telas graças à doação do Barão de São Joaquim - fez viagens regulares à Bretanha a partir de 1855. Odilon Redon (1840-1916), considerado por muitos o mais importante pintor simbolista, também passou temporadas em diversos pontos da região, e o pintor norte-americano James Abbott McNeill Whistler (1834-1903) se encantou com o porto de Nantes.
Pode-se dizer que a cidade, porta de entrada par o Vale do Loire, trava um diálogo constante entre o presente e o passado.Entre seus nativos mais ilustres está o escritor Jules Verne (1808-1905), autor de Vinte Mil Léguas Submarinas. Nantes é também o porto de onde saíram, entre os séculos 16 e 19, inúmeros navios com destino às mais variadas partes do mundo. Ou seja, sua histórica vocação marítima era o cenário propício para a criação das obras de Verne, repletas de aventura e prontas a explorar o desconhecido. O Castelo dos Duques da Bretanha, localizado no centro histórico da cidade, é um dos destaques locais e uma de suas mais antigas construções, remontando à Idade Média. Nantes também abriga o Museu da Bretanha.

Outros pintores, como Henri Matisse (1869-1954) e Pablo Picasso (1881-1973), se apaixonaram pelo litoral bretão. Picasso, ainda em início de carreira, aperfeiçoou a luminosidade de suas fases azul e rosa nas praias da Costa Esmeralda. Em outro momento, o artista húngaro Victor Vasarelyre reconheceu ter encontrado, "nas pedras polidas pelo vai e vém do ritmo das marés, a geometria interna da natureza", que regia suas obras ligadas à Optical Art. Em toda a costa da região, há uma sucessão de praias, antigos fortes e cidadelas que, ao longo dos anos, vêm disputando a atenção dos mais variados mestres das artes. Saint-Malo, na Costa Esmeralda, é uma dessas localidades, e uma das mais visitadas por turistas de todo o mundo. Próxima ao Canal da Mancha, é também conhecida como a cidade dos corsários e famosa por sua Vila Intramuros, com construções em estilo medieval. De lá também é possível avistar Dinard, uma sossegada baía com pitorescos vestiários de listras azuis e brancas, retratados em várias pinturas. É famosa a exposição que Picasso fez no lugar, em 1901, junto com George Lacombe, escultor Nabi que integrou o mesmo círculo de artistas do qual fizeram parte Gauguin e Sérusier. O pintor modernista japonês Tsuguharu Foujita (1886-1968) também expôs na cidade em 1926, mais uma prova de que a região da Bretanha não concentrou apenas impressionistas e pós-impressionistas, mas também os modernos. Matisse, por exemplo, que é tido como o pintor da luz, dos contrastes e da paleta de cores fortes, tem entre suas obras mais importantes a tela Côte Sauvage, Belle-Île-en-Mer. A relevância do quadro se dá justamente por ter sido pintado pelo artista, quando ainda era um estudante da Escola de Belas Artes de Paris, durante uma viagem à costa da Bretanha. Foi aí que descobriu e adotou em suas obras a luminosidade das cores primárias, além, é claro, da proximidade com o mar, outra característica de suas produções.



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