domingo, 28 de novembro de 2010

O professor precisa ser um Agitador Cultural

por Carlos Henrique Kessler



“Podemos dizer que na relação professor-aluno a transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se aferra a um elemento particular, que é a pessoa do professor.” (Kupfer, 1989, p. 91)


Para Freud "há um investimento necessário do aluno no conteúdo ministrado, que necessariamente é
atravessado pelo estilo de seu professor e, portanto, pela relação entre estes.



Como efeito desses investimentos, podem produzir-se identificações as mais variadas, quer ao conteúdo
ministrado, quer ao interesse pelo estudo em si, incidindo, portanto, na formação do eu.


Coloca-se a educação numa perspectiva interessante, como o que pode inscrever no sujeito alguns elementos fundamentais, que potencializem e qualifiquem as marcas que ele irá deixar de sua passagem pela existência.



Não podemos omitir ainda aqui o auxílio que Lacan (1985;1992) traz, ao efetuar o resgate desde Sócrates (em Platão, 1987) da noção de desejo, enquanto situado em sua relação intrínseca com o que nos falta. Lembra também que somos constituídos como sujeito a partir dos ideais de nossos pais e, em última instância, da cultura, nosso desejo sendo desta forma articulado ao Outro.



Paulo Freire, numa de suas últimas vindas a Porto Alegre, por outra via, convergia para o mesmo. Dizia que queria ser otimista, pensando em um mundo em que não fosse aceito como argumento pela sociedade aquele que então era enunciado pelo governador de São Paulo frente a uma greve de professores (que estes certamente mereciam um salário melhor, mas que ‘infelizmente’ não dispunha de verbas para tal). Evidentemente que se trata de prioridades, não só do governador de plantão, mas principalmente da sociedade que aceita, deixa-se convencer por tais argumentos (teríamos que admitir que estes baixos salários seriam incontornáveis, atrelados à origem escravagista (Fleig, 1999) da profissão do educador?).


Tem-me parecido que os educadores não têm outra escolha do que entrar na luta, disputar o interesse dessa sociedade e, em particular, dos alunos, neste mundo já tão repleto de apelos de marketing, a imagens e estereótipos. Precisaria necessariamente ser um agente (ou “agitador”) cultural, uma espécie de militante da cultura.



Desfraldar permanentemente esta bandeira, buscando fazer com que seus alunos possam enxergar-se como estando mergulhados nesta dimensão. Um professor não terá a menor chance restringindo-se a ser bom conhecedor dos temas da sua área, um bom “técnico”, um mero transmissor de informações e conteúdos. 


Necessitaria estar ligado (plugado) aos acontecimentos de forma ampla, às novidades tecnológicas, ao debate do momento entre os filósofos, ao que anima os comentários dos “simples mortais” e que repercute via imprensa, à última tendência entre os jovens... A partir desta perspectiva mais ampla, talvez ele possa indicar as conexões com o que há para ser ensinado em sua área específica e ser, eventualmente, escutado com a atenção, respeito e consideração necessários a uma aprendizagem que será para a vida, no sentido que Freud (1914) situou como sendo a mais importante influência que se pode esperar receber de um mestre. De qualquer forma, ele sempre poderia argumentar, por exemplo, que bem, qualquer um pode dedicar-se intensamente a ter uma vida confortável, boa alimentação, bons cuidados com a saúde, roupas, transporte,
ambiente climatizado, etc - estes que são alguns dos apelos da sociedade de consumo - mas que talvez isso não seja muito distante da vida de alguns eqüinos ou bovinos de raça, que também têm todo o conforto material possível. 


Na medida em que tiverem a felicidade de dar o devido destaque a estes elementos, talvez possam os professores ter alguma chance de conquistar um “nicho” no mercado das atenções de alguns que seja dos seus alunos. E aí voltaria a ser de utilidade considerar o que vimos anteriormente sobre desejo, ideais, transferência,...



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALLIGARIS, C. Sociedade e indivíduo. In: FLEIG, M. Psicanálise e sintoma social. São
Leopoldo: UNISINOS, 1993.
_____________. Três conselhos para a educação das crianças. In: APPOA. Educa-se uma
criança? Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1994.
FLEIG, M. O discurso do professor: entre a autoridade e a escravidão. In: Correio da APPOA.
Porto Alegre, nº 69, p. 35-40, jun. 1999.
Freud, S. (1914) Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar. In: Edição standard brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
________. (1920) Além do princípio do prazer. In: Edição standard brasileira das obras psicol
ógicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
________. Psicologia dos grupos e análise do ego. In: Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1974.
KUPFER, M.C.M. Freud e a educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 1989.
LACAN, J. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. In: O seminário - livro 2. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar ed , 1985.
________. A transferência. In: O seminário - livro 8. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed, 1992.
PLATÃO. O Banquete. In: Diálogos. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

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