- Antes a sujeira deste mar que "limpeza" que se tem por aí!
Com essa sentença Luciana terminara a conversa com sua filha Luiza, de 13 anos.
Caminhavam a beira-mar e a brisa refrescava o sol escaldante daquela tarde de fevereiro no Jose Menino. O dia não estava sendo fácil para ela. Logo ao acordar, vira na televisão uma notícia de cair o queixo. Mais uma morte banal nas ruas da capital.
Aquilo lhe embrulhava o estômago, dava-lhe agonia e, entre um e outro, raiva pela passividade das pessoas diante disso tudo. Luciana estava cansada! Dedicara parte da sua vida à luta contra a injustiça social e, ainda que convicta de ter feito a coisa certa, estava pessimista quanto a capacidade de realmente mudar as coisas.
"Ainda bem que tenho a minha filha" pensava sempre que esse pessimismo batia mais forte.
Luciana tinha urgência em cuidar de si. Esse tempo todo cuidando das pessoas escondeu a fragilidade de não ser cuidada por ninguém.
Sim, era uma mulher forte e não se arrependia do que tinha feito, mas o momento era outro e, ou cuidava de si, ou surtava.
Luiza estava no seu quarto, desenhando como poucas crianças fazem, quando ouviu o chamado da mãe.
_ Minha filha, arrume-se que vamos à praia.
Luiza adorava quando a mãe ía a praia com ela. Gostava de ouvir o barulho do mar e ver as pessoas alegres com pequenos biquinis e sungas, sem importar-se muito com o corpo escultural da televisão ou da internet. Era uma adolescente "fora da curva", é verdade, mas não ligava muito para isso. E, mesmo aos treze anos tinha a certeza de que um banho de mar lhe trazia ainda mais inspiração para desenhar.
Naquele dia a praia estava cheia! Famílias montavam suas barracas e com seus isopores bebiam cervejas e caipirinhas. Um casal sentado embaixo de um guarda-sol lilás beijava-se demonstrando ser ainda um casal novo. Kauê e Carlão abriam ainda mais cadeiras diante de seus carrinhos de bebida, esperançosos de que o movimento seria bom. João vendia camarão como nunca e Ana com seus risoles alegrava os gordinhos e gordinhas da praia, tarados por frituras. E tinham ainda as dezenas de crianças fazendo seus castelos de areia com as pás e os peixinhos e outras cavocando com a mão mesmo.
Enquanto caminhavam, Luciana e Luiza conversavam de coisas triviais como os primos distantes que nunca vinham visitá-las, da cidade de Santos que no verão é uma e no inverno outra completamente diferente ou do esmalte que tinham visto na farmácia e que agradara a ambas. A beira-mar andaram até o Itararé e chegaram quase a Ilha Porchat. Voltavam quando Luiza disse:
- Sabe mãe, é ruim quando tu está assim.
- Assim como, Luiza.
- Assim mãe, meio aflita.
- Eu pareço aflita?
- Sim, parece!
- Deve ser só impressão.
- Mãe, posso te falar uma coisa?
- Claro, diga!
- Sempre que tu pede pra vir à praia é porque tu não está muito bem.
- Não é bem assim, Luiza.
- É sim, mãe. Mas eu te entendo.
- Como me entende?
- Eu também fico triste quando entro na internet e vejo tanta gente escrevendo barbaridades, pensando no próprio umbigo e achando certo a violência como forma de resolver os problemas.
Luciana ficou um tempo sem falar nada. Não sabia o que dizer. Jamais vira a filha falando dessa maneira.
- Mas sabe, mãe, olha pra onde a gente está! Não é lindo poder ver aqui as pessoas alegres, ainda que não estejam felizes? As crianças brincando, a brisa no nosso rosto, o sol nos dando forças e o mar batendo nos nossos pés?
Luciana então paralisou. Estava diante do emissário quando um saco plástico veio junto a uma onda e grudou no seu pé. Ela devagar abaixou, pegou o lixo e o observou. Caminhou em direção à areia e o jogou numa lixeira que estava próxima. Quando virou para voltar, viu a filha a olhar as plantas e árvores "cravadas" no meio do mar.
Veio andando lentamente e contemplou o quanto pode aquela imagem.
- Sabe filha, antes a sujeira deste mar que "limpeza" que se tem por aí.
crônica: autor - Daniel Ciasca
imagem: creditos - http://www.fotothing.com/0Imortal/photo/e5ff2ff39b148cd028d06fb7a79af4b1/
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